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segunda-feira, 3 de abril de 2017

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO PARA EDUCAÇÃO CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE

CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCAÇÃO E A  CONSTRUÇÃO DO CURRICULO


O presente texto trata de uma pesquisa sobre a contribuição da pedagogia freriana para a construção do currículo na perspectiva de apontar elementos que orientem à elaboração de propostas de práticas pedagógicas emancipatórias e eticamente comprometidas com a humanização. Destacase Paulo Freire para contribuição no campo do currículo à crítica a educação bancária e a formulação de uma educação libertadora fundamentada na prática dialógica que favorece a construção democrática do conteúdo programático da educação. A partir da pesquisa é possível perceber que apesar de Paulo Freire não ter proposto uma teoria de currículo, o sua contribuição para a educação oferece categorias fundamentais para uma teorização crítica para o campo curricular.
Além de Paulo Freire vários pesquisadores ligados à epistemologia pedagógica têm contribuído através de suas diferentes concepções teóricas para uma melhor compreensão da multidimensionalidade do fenômeno educativo. Paulo Freire formulou uma concepção de educação libertadora, fundamentada numa visão humanista crítica, que vê o ser que aprende como um todo – sentimentos, pensamentos e ações – não se restringindo à dimensão cognitiva. A aprendizagem não se limita a um aumento de conhecimentos, ela influi nas escolhas e atitudes do indivíduo, a prática pedagógica do processo educativo, que concebe a educação como dialógica e conduz o estudante a um pensar crítico da sua realidade. Os fundamentos teóricos da proposta educacional de Paulo Freire têm a intenção de assegurar aprendizagens que propiciem aos estudantes a construção de novos conhecimentos, permitindo instrumentalizaremse na luta pela melhoria das condições de existência. Esse pensar tem colaborado para a construção de uma teoria curricular emancipatória e eticamente comprometida com a humanização. Esses pensamentos contribuem com uma visão ampla de currículo, percebendoo como um dos mecanismos de veiculação da ideologia de uma sociedade que materializase nas ações dos envolvidos no processo educativo. Dessa forma, a prática curricular é compreendida como uma totalidade sociocultural complexa, que envolve todas as interações do espaço educativo. Corroborando com esse pensamento, Santiago (1990, p. 25) aponta que o currículo é “a corporificação dos interesses sociais e [como a] luta cultural que se processa na sociedade”. Em outras palavras, a autora considera que os valores e interesses da sociedade se constituem na dinâmica do cotidiano escolar, afirmando que “interesses e luta que invadem e transitam na escola, concretizandose nas práticas pedagógicas” (idem). Concordando com Silva (2007), Paulo Freire não fez uma teorização específica sobre o currículo, contudo como destacam Apple (2006), Giroux (1997), Santiago (1998, 2006, 2007) e Saul (2006) o seu trabalho é referência quando se trata das teorias críticas do currículo. É nessa direção que o presente texto trata de um estudo teórico sobre alguns conceitos e princípios que fundamentam a pedagogia freireana e aponta sua contribuição para as questões curriculares na perspectiva de indicar elementos que orientem à elaboração de propostas curriculares e práticas pedagógicas que visem à formação para a emancipação humana. A discussão no campo do currículo tem sido ampliada e aprofundada, abandonandose a concepção restrita e fragmentada que o currículo se refere apenas a programação de conteúdos, passando a ser visto como um instrumento de ação política que retrata o conjunto de valores e interesses da sociedade, como também o tipo de educação e a concepção de sujeito que se tem. Essa perspectiva curricular tem sido fruto de várias colaborações teóricas progressistas, dentre as quais destacamos os pensamentos e práticas pedagógicas de Paulo Freire. Na verdade, a compreensão do currículo apoia a vida da escola, o que nela se faz ou não se faz, as relações entre todos e todas as que fazem a escola. Apoia a força da ideologia e sua representação não só com ideias, mas como prática concreta. A contribuição de Freire para o campo do currículo está presente na crítica a educação bancária e na formulação de uma educação libertadora. A educação bancária que tem por referência as teorias tradicionais do currículo compreende os estudantes como depósitos vazios a serem preenchidos por conteúdos do domínio exclusivo do professor. Nessa concepção o estudante é percebido como alguém que nada sabe como ser passível de adaptação e ajuste a sociedade vigente. O estudante é exposto a um processo de desumanização, sua curiosidade e autonomia na busca do conhecimento vão se perdendo, pois o conhecimento é narrado pelo professor como algo acabado, estático, e o estudante começa aceitar que o mundo, a história é algo pronto e acabado e ele é apenas um objeto nessa história e, portanto, nada pode fazer para transformáLa. “Esta concepção bancária (...) sugere uma dicotomia inexistente homens mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo” (FREIRE, 2001, p. 62). No caso, ele apenas vive no mundo semelhante a qualquer animal irracional, mas não existe, porque para a formação e o desenvolvimento de uma consciência capaz de apreender criticamente a realidade é o que possibilita o seu ação livre, criadora e determinadora de suas condições de existência. Freire critica esse tipo de educação pelo caráter verbalista, dissertativo, narrativo, típico do currículo tradicional centrado em disciplinas que estão afastadas da realidade existencial das pessoas envolvidas no processo educacional. Para Freire: O currículo padrão de transferência é uma forma mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa tremenda falta de confiança na criatividade dos educando e na capacidade dos educadores! O centro, acima de tudo, está comandando e manipulando, à distância, as atividades dos educadores e dos educando. (FREIRE, 2008, p. 97). Superando a concepção bancária da educação, Freire formulou as bases para uma educação libertadora, uma educação como prática da liberdade, fundamentada em uma teoria da ação dialógica, que substituiu o autoritarismo presente na escola tradicional pelo diálogo democrático na sala de aula. Essa concepção de educação exige que os educando e educadores estejam engajados na luta para alcançar a libertação, e compreenderem a sua vocação ontológica e histórica de “ser mais”.
Desde o começo da luta pela humanização, pela superação da contradição opressoroprimidos, é preciso que eles se convençam de que esta luta exige deles, a partir do momento em que a aceitam a sua responsabilidade total. É que esta luta não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para comer, mas “liberdade para criar e construir, para admirar e aventurarse”. Tal liberdade requer que o indivíduo seja ativo e responsável, não um escravo nem uma peça bem alimentada da máquina (FREIRE, 2001, p. 55). Na educação como prática da liberdade, estudante e professor são os protagonistas do processo, que juntos dialogam, problematizam e constroem o conhecimento; problematizar é exercer uma análise crítica sobre a realidade das relações entre o ser humano e o mundo. Para que isso ocorra, os sujeitos precisam voltarse, dialogicamente, para a realidade mediatizadora, a fim de transformáLa e isso só são possível através do diálogo que é “desvelador da realidade”. Na perspectiva freireana, essa atitude dialógica permite uma reflexão crítica dos homens em suas relações com o mundo para sua autêntica libertação, pois nega o homem abstrato, desligado do mundo, assim como também nega o mundo como uma realidade ausente dos homens e considera que somente na comunicação tem sentido a vida humana. Dessa forma, tanto o professor como o estudante tornamse investigadores críticos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construirse como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história (FREIRE, 1980, p. 39). Nessa direção, os educando compreendem suas relações com o mundo, não mais como realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo e, dessa forma, são estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da práxis, que, sendo reflexão e ação é verdadeiramente transformadora da realidade. Corroborando com as contribuições do pensar freireano para o currículo, Santiago (2006), referindose às questões curriculares, ressalta que o pensamento de Paulo Freire traz alguns conceitos que são fundamentais para uma teorização sobre o currículo como prática político-pedagógico. A autora considera que o diálogo é uma das categorias fundastes da pedagogia freireana e que poderá colaborar na formulação da base teóricometodológica do currículo e do desenvolvimento de práticas pedagógicas. De acordo com Freire é a partir da prática dialógica que o sujeito desenvolve suas potencialidades de comunicar, interagir, administrar e de construir o seu conhecimento desenvolvendo sua capacidade de decisão, humanizandose. É com esta prática que o homem exercita o respeito às posições do outro, sendo esta o caminho para a formação da personalidade democrática. “O diálogo, como o encontro dos homens para a pronúncia do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização” (FREIRE, 2001, p. 134).

A palavra não é mero pensamento expresso, é práxis, a ação transformadora no mundo e do mundo. O diálogo é a condição de existir humanamente, onde os homens que se solidarizam, refletem e agem juntos como sujeitos no mundo que querem transformar, humanizar.    O diálogo é o encontro entre os homens, midiatizados pelo mundo, para designálo. Se, ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõese como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens, o diálogo é, pois, uma necessidade existencial (FREIRE, 1980, p. 82). Para Freire o fundamento do diálogo é o amor “se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo” (2001, p. 80). Esse sentimento não é uma forma ingênua ou romântica de afeição, mas se caracteriza por relações autenticas de respeito, tolerância e empatia entre pessoas que compartilham ideais na busca da humanização. O diálogo só é possível com humildade, pois quando existe o sentimento onde cada um acredita ser superior ao outro, esses não podem tornarse companheiros de “pronúncia do mundo”. “Não há também diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer, de criar e recriar” (2001, p. 81). A esperança move o diálogo, pois o homem inacabado e consciente do inacabamento tem uma prática dialógica porque acredita na transformação da realidade, ou seja, “a esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria história, mas puro determinismo” (2003, p. 72). Para que a relação dialógica possa ser estabelecida também fazse necessário um clima de abertura, de participação, pois ao contrário o que se pode constituir é o antidiálogo. O diálogo, ao ser alicerçado no amor, na humildade, na fé no ser humano, na esperança e na participação estabelece uma relação horizontal de simpatia e uma vivência marcada pela confiança entre os sujeitos. Em contrapartida o antidiálogo é caracterizado pela quebra dessa experiência e o estabelecimento de uma relação de verticalidade entre os sujeitos onde não há comunicação e só comunicados. O antidiálogo é caracterizado pela ausência dos fundamentos do dialogo ele “é desamoroso. É acrítico e não gera criticidade, exatamente porque desamoroso. Não é humilde. É desesperançoso. Arrogante. Auto suficiente” (FREIRE, 2008, p. 116). Nesse quadro de ideias, o diálogo como categoria fundante da pedagogia freireana, pode orientar as questões que permeiam a construção do currículo. Dentre essas orientações destacamos que o diálogo não precisa ser vivenciado apenas quando o professor e o estudante se encontram em uma situação pedagógica, mas pode iniciase na busca do conteúdo programático da educação, ou seja, em torno do objeto do conhecimento que o professor vai dialogar com os estudantes. “Quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa. Esta coisa deveria ser o novo conteúdo programático da educação” (FREIRE, 2008, p. 116).   A escolha do conteúdo programático é uma preocupação central que permeia as discussões no campo teórico do currículo e também nas políticas pública. Paulo Freire (2005) destaca a impossibilidade de existir uma prática educativa sem conteúdo, ou seja, sem objeto do conhecimento, e justifica afirmando que a prática educativa é naturalmente gnosiológica e que o ensino dos conteúdos deve estar associado a uma leitura crítica da realidade, permitindo o desvelamento da razão dos inúmeros problemas sociais. No entanto, o autor coloca que a questão fundamental quem envolve a escolha do conteúdo programático é de natureza política, pois “tem que ver com: que conteúdos ensinar, a quem, a favor de quê, de quem, contra quê, contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem decide sobre que conteúdos ensinarem” (p. 45). Freire, em Pedagogia do Oprimido, problematiza os princípios norteadores para construção de um currículo que atenda aos pressupostos de uma educação libertadora. Nessa construção, destaca a relevância do conteúdo programático, mas difere das teorias tradicionais do currículo na forma como esse conteúdo é construído. Com isto, fica claro o lugar do conteúdo da educação no currículo crítico como outra contribuição do pensamento freireano (SILVA, 2007). Para Freire os conteúdos não podem ser pedaços de uma realidade desconectada da totalidade, fazse necessário propor aos estudantes dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica permita reconhecer a interação de suas partes, para que, dessa forma, possam compreender a totalidade e os conteúdos possam ganhar significado. O conteúdo programático da educação não é um conjunto de informações que deve ser depositado nos educando, contidos em programas organizados exclusivamente por gestores ou professores de acordo com a concepção bancária de educação. “Numa visão libertadora, (...) o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças” (FREIRE, 2001, p. 102103). O conteúdo deve ser buscado dialogicamente com o estudante e construído a partir da visão de mundo deste. O professor através de contradições básicas da situação precisa problematizar a realidade concreta, desafiando o s estudantes para que busquem respostas não só no nível intelectual, mas no nível da ação. É nessa realidade mediatizadora, que o conteúdo programático da educação pode ser construído, ou seja, “será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política” (idem, p. 86). A questão que se coloca na recriação da educação, na etapa de transição revolucionária, não é só apresentar aos educando os conteúdos programáticos de uma forma competente, mas, competentemente também, refazer esses conteúdos com a participação das classes populares, superando  se igualmente o autoritarismo no ato de “entregar” os conteúdos ao educando (FREIRE, 2002, P. 93). Sendo assim, reconhecer a importância da prática dialógica para a construção do conteúdo da ação educativa possibilita diferentes maneiras de formular e organizar o currículo numa perspectiva libertadora que tem por base a curiosidade, a autonomia, a criticidade, a práxis e a emancipação. Destacamos como contribuição de Paulo Freire para o campo do currículo a crítica a educação bancária e a formulação de uma educação libertadora fundamentada na prática dialógica que favorece a construção democrática do conteúdo programático da educação. Os elementos presentes nos aportes teóricos do pensamento de Paulo Freire mostram a centralidade da teoria crítica do currículo, devido ao fato dos seus pressupostos expressarem claramente que nenhuma prática educativa é neutra e desinteressada, mas reflete as questões de poder, bem como ter o diálogo como princípio teóricometodológico da ação educativa. Sendo assim, a construção do conhecimento além de possibilitar ao estudante maior poder social e de intervenção para transformar as situações menos humanas em situações mais humanas, pode permitir aos sujeitos a busca constante por ações e reações de solidariedade, respeito e responsabilidade para consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Nessa direção, compreendemos que o pensamento de Paulo Freire oferece alguns conceitos que são fundamentais para uma teorização crítica do currículo, na perspectiva de uma formação sociocultural e política do ser humano. Sendo assim, esse pensar pode contribuir para sustentar propostas curriculares e práticas pedagógicas que visem à formação para a emancipação humana.

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